quinta-feira, 21 de julho de 2022

 


Ao passar sobre a ponte, notou que suas costas estavam ensopadas de suor. Retirou a mochila, pô-la no chão, apoiando-a com os pés, e enxugou as gotas que escorriam na fronte, ao pé do canto direito do olho esquerdo. Gotas salgadas, que, quando misturadas às lágrimas, ganham um sabor salobro, agridoce. Dessas, sentiu amargo incomum. Suspirou, parou. Debruçou-se sobre o parapeito do viaduto – era-o de fato, ainda que insistisse em chama-lo ponte. À essa altura, retomou vagamente os sentidos. Deveria se apressar. Caso contrário, perderia o Fazenda Grande das doze e meia; depois, só o Boca da Mata via Estação de uma e dez. Esboçou um gesto de reconciliação com a consciência. Estirando vagamente o tronco, com um agudo suspiro destoante da cadência anterior, pôs as mãos na cintura. Quão pouco convicto foi o gesto, alcançou apenas erguer as calças, arreadas de propósito, a meio mastro do rego; uso do tempo. Não foi. Deixou-se estar, talvez convencido pela brisa que lhe soprara ao pé da nuca e lhe levantara a gola da farda. Aí, o calor cedeu um pouco. Destrocou as pernas cruzadas, fatigadas da paletada que dava, todo dia, da Joana Angélica até o vale do Canela, e contemplou o fluxo de carros que subiam a avenida em direção contrária. Olhou-os atentamente. Passava um Versalhes prata, um Monza cor-de-pele, um Passat preto, vários outros a seguir, que não os podia distinguir tal a velocidade que íam. Em comum, todos eles refletiam a luz do sol sobre o capô e o teto, até passar sob a ponte, quando abruptamente cortavam-na, deixando uma sensação estranha em seus olhos, como quando se acende a luz do banheiro, de madrugada, após um pesadelo irreconciliado. Uma vaga na barriga cortou-lhe as observações. Não tinha notado que já não reparava na seqüência de automóveis e veículos que o cruzavam, sob a ponte. Não percebeu, mas já tinha os beiços frouxos e levemente inclinados, curvados, que lhe davam um feição de quem ri para dentro. Este desabrochar dos lábios durou poucos segundos; voltou a cerrar a boca, de tal sorte, dessa vez, que lhe fez ranger os dentes. A vaga persistia em suas entranhas. Não era fome, embora a tivesse. Essa tinha um jeito diferente, como se se ancorasse no peito, fazendo pesar o diafragma e tornar a respiração mais custosa. Sem saber porque, todavia, sentia palpitar violentamente o coração no peito. Tornava a respirar fundo para tentar lhe aplacar o ritmo. Não resultava; tossia, e aí novamente a rudeza da ação o fazia novamente pôr-se à ordem do dia. Neste instante, viu um pequeno grupo de adultos que cruzava a ponte do outro lado da via. Refreou o ímpeto das divagações, concentrou-se fortemente em forjar uma distração aos transeuntes que não causasse suspeitas das intenções que lhe pudessem julgar estar contemplando. Agachou, apanhou uma pata-pata na mochila, escovou o couro, olhou o relógio, dez para uma. Via as horas, sem sobressalto; não queria estragar o disfarce. Os adultos passaram, sequer o notaram. Viu-os cruzarem a esquina, depois da ponte. Julgou-se infantil, abaixou a cabeça, meneando-a ora para cima, ora para o lado, mirando o ombro, como quem quer esconder o olhar de si mesmo. Não podia esconder sua timidez nunca, nem para os outros, na rua. Sentiu novamente fraquejar o pescoço. Sentiu-se prostrado, inerte. Não compreendia. Ela fora embora sem lhe agradecer o enroladinho com kisuco que comprara na cantina. Partira com Jefferson e Pablo; atravessara o pavilhão, entrara pelo corredor do pátio e descera para o playground. A tudo isso, acompanhara com os olhos marejados, e inquietos, porque não queria que lhe suspeitassem o sentimento e indagassem o que fazia ali, paradão, criando raiz. Não o chamara para acompanhá-la. Até quando aturá-lo-ia? Nesse momento, com um gesto de profundo desgosto, sem poder reter o ímpeto, lançou a pata-pata viaduto abaixo, que acabou atingindo o para-brisa de uma Santana branca que passava sob a ponte; só teve tempo de notar o susto da motorista, recolher a bolsa e rumar ponto de ônibus abaixo.

 

 

  

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021




 À deriva


Conto sobre o meu rosto, as rugas

Vêm vindo e vindo... 

Evito encará-las, elas, voluptuosas dos meu dias

Quando não contava, menino



Subo a rua escura que amanhece teimosa

Cerração do caminho, em seu ninho

Repele idéia nova de resolução velha

Se eu pudesse ficar só mais um pouquinho


Me não diz a que veio

Trovoada não dá medo

Rebenta-se sempre do mesmo jeito


Solidão que me consola

Deixo o capote atrás da porta

O que será que tem aí dentro?

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Poeira


Deixa a platéia aplaudir,
gritar, ganir, grunhir, enfim, assobiar
Depois, suspirar, murmurar, acabrunhar,
Sair, partir, para não mais voltar.
Deixa a cortina cair.

E que assim fique, e ficará
ou será que há acalanto
quando daqui nada sobrará exceto o manto
que a consciência teima em querer vestir, descobrir...? Admiti-lo-á?

Mesmo que, sob um pedaço de pano, 
pudesse-se esconder aquilo que se não quer (pode) ver,
deixa que pegue de você, e vai, não tem pressa
Pois aquilo que lhe resta, o palco
Já vai começar o espetáculo.

terça-feira, 9 de julho de 2013

PERTO DOS 26

 
Em repouso absoluto.
Fim e recomeço.
Acerbo aconchego que se dão, as almas pueris.
 
Sem calor que lhes apeteça,
Em arandelas de marfim,
Aparadas e recolhidas,
lhas há de servir, o eterno sepulcro.
 
Nada que uma lasciva centelha,
Adusta e incandescente,
Intermitentemente, naturalmente,
Regateia-lhes, em compasso justo,
A cadéncia juvenil
de que o coração senil,
Baldado e ralhado de si,
Esbalda-se e excita-se.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Sou tonto mesmo



Compreensível é constatação das ardilosas mazelas que escondem o padrão.
Não é difícil de se ter uma sensação estouvada ao ver, numa ou noutra cara, a "beleza batida, enjoada, ou certinha demais".
O quão desemparados e inquietos devem-se sentir aqueles que respondem com os índices mais altos aos padrões estéticos estabelecidos por nós ... ou, por eles?
As roupas, os carros e tudo mais o que ignoro submetem-se ao insistente açoite midiático e decompõem-se em recomposições atulhadas e nas coxas para a fruição dos fluidos imateriais que regem essa orquestra capitalista.
Que fará a noviça rebelde com seu nariz de Fabergé, mais belo dos belos narizes que já botaram gás carbónico nesse mundo? Dar-lho-á algum adorno de concreto ou requintes de porcelana esmaltada, sem que a obra perca a glamourosa harmonia dantes e ganhe a atalhada fama démodé de amanhã? Você me diz, conectada leitora!
Será que uma manobra política da Moda destituirá Vênus do seu acento no Pantheon e o usurpará para si? 
Ligue a tevê e veja, minha filha!

   

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Dezembro de 2012 e Janeiro de 2013




O ócio é o maior catalisador de paixões,
pinta e borda, prostra corações.
Não corra, evite acidentes; 
divida seu amor com a gente.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

People are the same everywhere

        
        Não é culpa da canção de que gostara que você lhe deixe de gostar mais porque gosta agora de outra, não mais do que daquela. No final, você ainda lhe agradecerá por não te ter deixado exaurir a substáncia que te cinge o prazer àquela expressão artística, sem embargo do que houver de replicar a Natureza Humana.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Reprovado na trova (queratinina)


Ó nobres ligamentos cruzados dos joelhos!
Vós, que lhes sustentais as mais ricas articulações,
recobrai-vos, se désseis-lhes tamanho destempero?
Ides aí deveras estuporados e arrebentados em severas constrições.

Ó invólucro mausoléu do fio de cabelo!
Rente o pente, a chapinha e os puxões,
não se lhe dá o adusto aroma deste famoso tempero?
vai ai servido e adornado em nossas refeições. 


segunda-feira, 23 de julho de 2012

Tratado da Arte. Tomo I


A arte é a extensão da consciência humana para além do que suas necessidades básicas a levam.
Tem como propósito, ao mesmo tempo precípuo e secundário, fazer oposição ao eterno fastio que a vida produz-lhe.
Desde que se concebe a si mesmo enquanto criatura pensante – ou concebemo-no nós às criaturas passadas -, o Homem expressa-se através daquilo que chamamos Arte. Ainda que apenas para si mesmo, sem que nunca lhe desvendemos os propósitos ou intenções, como já se conhecem casos de hominídeos pré-históricos que rabiscavam e compunham sua arte em grutas onde a luz do sol não alcança, mesmo hoje.
Pois então, despida da ideia de que arte tem, como fim original, aquele social de que derivam a soberba, a vaidade e afins – sem embargo de críticas que me façam os fatos ignorados -, debrucemo-nos mais a fundo nesta estória.
Dado que somos dotados daquelas necessidades básicas de que não dispomos em qualquer hipótese, a despeito das evoluções que trazem consigo os séculos, pode-se dizer, com efeito, que a Natureza, compreendida em seu sentido mais abrangente, é cúmplice do labor artístico que lhe deitamos, seja nas cavidades de uma caverna estreita, ou num casco de um carvalho robusto.
Não digo isto à toa. Revelo-lhe agora. Peço-lhe que perdoe-me a prolixidade. Não sou bom de retóricas, nem de concisão dissertativa. Faço-o apenas para adaptar o papel às necessidades especiais de que careço. Enfim.
Admita que a Natureza fez-nos seres com dotes de máquinas, sem, contudo, desamparar-nos dos benefícios das emoções – careço deveras de poesia. Como máquinas, nutrimo-nos, despachamos detritos, produzimos hormônios, trocamos gametas, concebemos, desgastamo-nos, enfim, reciclamo-nos, sem que dêem ao livre arbítrio direito a réplica. Acerca desses aspectos, quero encerrar profundidade naqueles que fazem parte da nossa rotina diária, a saber, nutrição, evacuação e excreção, e sono.
Sabemos que temos necessidades brevíssimas, conforme conceituam especialistas da área, de alimentarmo-nos. Esse processo é justificado pela nossa deficiência em produzir energia de forma completamente autônoma. Predamos ou processamos vegetais e minerais para que o corpo opere de forma adequada. Em sociedades modernas, as refeições são quase todas coordenadamente planejadas e aguardadas, de sorte que se lhe despenda o mínimo de tempo, em regra. Na pré-história e em períodos vizinhos, as refeições eram esparsas e incertas, posto que também deficientes do ponto de vista nutricional. Sem muito lhe adentrar o mérito, pode-se inferir que, àquela altura, sobrava-se muito menos tempo á toa e à reflexões, sem embargo da menor expectativa de vida.
Ainda mais a fundo, consideremos que, uma vez satisfeitos a fome, o sono e a evacuação e a excreção, sobejam as horas mandriãs para os neurônios ensaiarem uma polca. Neste momento – dou uma colher de chá e deixo que os aspectos subjetivos dessa glosa mal composta adentrem -, o lócus cérulus e os alvéolos pulmonares, em harmonia com a mitocôndria, o complexo de golgi e o ciclo de Krebs, dão azo às emoções e o ser as exala:
se mata a lebre, celebra a ventura com uma dança efusiva e algaravia uma cantiga de felicidade; se o golpe é mal sucedido e a presa foge, resmunga e pragueja. Se a criatura animal fascina-lhe, dedica-lhe rabiscos em paredes de abrigos ; tira-lhe o coro e o traja á cabeça ou em forma de fraque ou tweel. Não se pode afirmar aqui que essas manifestações do tronco cerebral, em primeira instância, são artísticas. De forma alguma. Antes apenas interações entre o Homem e o meio, interjeições, expansões naturais que se nos dá institivamente. Mas é cá mesmo nestas interações que surge a Arte, entendida, para já, como expansão do espírito humano, e de todas as qualidades que lhe são inerentes, ao ambiente que lhe cerca, de si para si apenas.
Ao se espremer tal vegetal, extrai-se o vermelho oleoso; noutra, acha-se amarelo; as folhas de uma espécie lá estrambólica de árvore dão o verde. Teima e garimpa, mas falta-lhe o woad azul, o qual, encontrado, dá mais requinte à obra que, por ventura, compõe-se das citadas cores; até que o enfado lhe alcança e a pintura não o apetece mais. Vai à música: ao assovio, ao batuque, sem que atine aonde isto o levará, até que a fome ou o sono lhe arrebatam e ele retorna ao estado primitivo da subsistência. Eis o propósito original e eugênio da Arte humana.






  

terça-feira, 29 de maio de 2012

29 de maio de 2012


 
 A comoção é um sentimento raso. Ela vem honesta e transparente, derruba-lhe, consecutivamente, convicções e outros sentimentos recônditos de que não se permitem publicamente indagações. Daqueles que simplesmente permanecem recolhidos em nosso interior, arquivados das câmaras de deliberações terceiras.
 Digo raso porque nos faz liberar grandes quantidades de substâncias no corpo, gametas de sensações de raro teor de satisfação própria e particular, quando boas. Não as questionamos das razões, motivações, ou fundamentos. Ela sobe, arranca-nos a casmurrice habitual, suplanta o decoro e a postura externa e, por fim, faz-nos marionetes: dobramo-nos em prantos, lágrimas escorrem-se à nossas faces, um sorriso expansivo - ou discreto - revela-se. Tudo isso com o mínimo de reflexões ou oposições morais. 
 Senão quando, há aqueles que resistem a este primeiro assalto hormonal. O resultado disto, muitas vezes, não é tão agradável: como se uma primitiva expansão do espírito humano sofresse uma abrupta interrupção que lhe ceifasse o órgão principal e, de sobejo, o indivíduo regressasse ao estado natural de equilíbrio, quando não transmuta para o lado inverso a que fora levado pela sensação primária.
 No final, fica esta reflexão, que não quis deixar escapar e perder-se no subconsciente das obrigações secundárias da vida. Para além disto, digo que fica também um malogro permanente das expansões naturais do espírito humano. Malogro que lhe cerceia a capacidade de alimentar, noutras ocasiões semelhantes, este fenômeno tão humano.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Coluna 3


O recém-explorado nicho de mercado dos sites de compra coletiva sempre inspiraram desconfiança e alimentaram polêmicas. Diz-se isto já que setores organizados da sociedade, apartados dos meios pelos quais se desenrolam as transações e contratos entre as partes envolvidas no processo, exigem regulação legislativa e interferência objetiva do Estado, ainda maior.

Por um lado, admite-se que esses contratos são motivados pela oferta de grandes barganhas, a despeito da conveniência e comodidade que lhes acompanham. Utilizar esses meios para organizar a agenda para fins de semana ou aproveitar oportunidades provocadas pela famosa lei de Say, são os principais atrativos para consumidores modernos um pouco mais diligentes que possuem boa parte da renda ociosa.

Pelo outro, convém reconhecer que esses empreendimentos visam preencher esta lacuna no mercado, fazendo uso de meio moderno de compartilhamento de informações e atando as pontas onde estão mais frouxas: demanda e oferta. Adicionalmente, há ainda de se salientar as deformidades de mercado provocadas pelas assimetrias de informações e seu fluxo corrente, drenado pela concentração de capitais e pela ação de lobistas.

Com efeito, isto manifesta-se à medida que agentes do lado da oferta apresentam descontos fabulosos - a partir de 50%, em média. Estas fatias exageradas de descontos inserem-nos duas dúvidas objetivas: Qual é o ganho econômico destes vendedores cujas margens são tão reduzidas? Estes descontos são mesmos reais?

Recentes pesquisas realizadas pelo professor Dan Ariely (Duke University), apresentou resultados surpreendentes que, em suma, indicam um comportamento previsivelmente irracional de agentes econômicos que se julgam na plenitude das suas faculdades mentais. Tais estudos comprovam que “mais complexas as escolhas, mais as pessoas optam pela opção padrão”.

Assim, no setor de E-commerce explorado pelas compras coletivas, grandes barganhas são, independentemente do apelo de real redução de despesas, atraem consumidores ávidos por gozar de laminadas mais grossas de descontos.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Coluna 1


O Governo, neste início de ano, a fim de estimular o setor produtivo da economia, dado que as perspectivas de inflação são mais otimistas, assumiu uma postura menos ortodoxa, à medida que, conforme expectativas do mercado e conseqüentes precificações de ativos, revela propensão a diminuir os juros básicos da Economia.
O ex-ministro da Fazenda, Delfim Netto, coaduna da mesma opinião: “(...) com o juro muito alto há uma propensão muito forte de a moeda se valorizar."
É deveras sabido, haja vista as matérias midiáticas de cujo tema – apreciação do câmbio – nada se extrai senão “desindustrialização” e “déficit de conta corrente”, que juros altos produzem distorções profundas na economia. Poder-se-ia exemplificá-las citando as desvantagens comparativas entre as taxas de remuneração de títulos representativos do Tesouro a longo prazo com o retorno líqüido de lucro do setor produtivo da cadeia econômica do país. Aqueles que optam por aquelas incorrem em óbvias vantagens à proporção que, neste, os desafios são intrépidos e enfastiosos: lidar com carga tributária sufocante, custos de transporte, manuseio e custódia de produção e, por fim, câmbio desvantajoso para exportações a despeito das imunidades tributárias que a Constituição Federal confere-lhes.
Neste cenário, as reivindicações do setor primário agroindustrial pela depreciação do câmbio externo resultou na regulamentação do Dec. nº 6.306, de 2007, cujos dispositivos referentes às regras do IOF foram alteradas pelo Decreto nº 7.457, de 6 de abril de 2011: Nas liquidações de operações de câmbio contratadas a partir de 7 de abril de 2011, para ingresso de recursos no País, inclusive por meio de operações simultâneas, referente a empréstimo externo, sujeito a registro no Banco Central do Brasil, contratado de forma direta ou mediante emissão de títulos no mercado internacional com prazo médio mínimo de até setecentos e vinte dias: seis por cento. (http://www.receita.fazenda.gov.br/aliquotas/ImpCreSegCamb.htm, em 18-01-2012).
Com efeito, o câmbio, que andava à R$ 1,50, no primeiro semestre, começa 2012 à R$ 1,80. A medida mostrou-se eficaz, a despeito das previsões de Delfim Netto, deveras pouco otimistas: "Como a crise internacional deve perdurar por alguns anos, a volatilidade do câmbio será registrada também no ano que vem".

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Sinceridade




Sinceridade é coisa para poucos, portanto especial. Não me refiro àquela forma sincera de se ver coisas, ensopada de conceitos morais idílicos quaisquer que alguém carregue consigo. Refiro-me àquela cuja escassez é água para sertanejos ou caprinos
para jutos e saxões.
A ambos fez-se-lhes valiosos e, em alguns casos, moeda.
À sinceridade sobram apenas as penas da galhofa. Diversamente, ela não é algo que se preze ou que se lhe seja dado o devido valor.
Ser sincero muitas vezes é incômodo a quem ouve; ou, noutras, é um estorvo para quem reluta em guardá-la para si. Repara. Vê se não te pega a retrucar assertivas de forma a lhes amenizar o sentido, torná-las menos explícitas, menos vulgares, menos anacrônicas, menos naturais; menos tu.
Há pessoas que se não olham nos olhos. Há amigos a que ela abre um belo sorriso. Há pessoas a que o silêncio é a forma mais conveniente e menos custosa, embora diga-lhes tantas coisas...
Portanto (esta porra toda tinha de lhes oferecer alguma moral de história qualquer que fosse), sê sincero e torna-te especial. Não há ninguém tão especial quanto é sincero - (esta catei à janela de um ônibus às alturas dos acidentes orográficos de Sete de Abril).
Sem embargo dos direitos autorais que se me caberiam, segue esta máxima e sê feliz. Então acertamos as contas.

(escrito em 14/04/09)

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Amizade de verdade


A melhor e mais segura forma de se fazerem amizades é onde se envolve dinheiro.
É através do câmbio mútuo de tempos de trabalho que se constroem as amizades mais sólidas e honestas.
Pague ao seu credor e lhe assegure a contrapartida da confiança que te foi depositada
aquando do firmamento do compromisso de honra.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Eu quero mais é ser feliz



É de conhecimento coletivo a beligerante atuação das autoridades monetárias da República nacional, neste seu exordial período no qual germinam os pilares de uma democracia madura.

Os assédios pouco parcimoniosos que as classes dominantes lobistas impuseram às contas públicas, ao longo dos anos, fizeram-lhes inexoravelmente incorrer numa orgia de ideologias e doutrinas econômicas, que serviram como pano de fundo aos supostos e pretensiosos planos de reestruturação econômica.

Deu-se, destarte, um sem fim de elucubrações pséudo-científicas, respaldadas em orientações levianas de grupos estrangeiros cujo único interesse era, senão outro, trasvestir-nos os fundamentos econômicos numa singular e uniforme penca de bananas da qual eles se pudessem servir, dado que a teoria econômica, como ciência social aplicada, faz da realidade prática o seu campo de experimentos científicos.

Celso Furtado, em “Um projeto para o Brasil”, não alcançava semelhante idéia: foi-se o tempo em que o modo de produção capitalista erigia-se por si só e pela acumulação primitiva de capital; o romantismo e Byron jazem no século XIX.

Já não há mais que se falar em Processo histórico definido no qual os países subdesenvolvidos estariam, supostamente, arregaçados à indolência e ao calor dos trópicos.

Vertentes, correntes e dissidências mais idílicas e benevolentes – por outros termos, cegas pelo coração – ainda perseveram a arremeter o casco contra o muro do desenvolvimento, como uma matilha em polca. Ignoram a parcela do keynesianismo do qual se infere a seguinte hipótese: as taxas de investimento variam diretamente proporcional aos níveis de renda; as taxas de consumo, por seu turno, inversamente.

Diante disso, soa talvez deveras desvairado o discurso mais desenvolvimentista de que a política monetária se deve guiar pelos rumos da distribuição de renda, da socialização e ampliação dos serviços em prol da coletividade, do aumento da renda per capita etc.

Dividir o que? Podê-lo-ia ter feito se não fosse mais um retardatário da escala do tempo.

Traçando um paralelo discriminante entre as políticas econômicas dos governos de JK e FHC, e fazendo demasiado abuso da cláusula coeteris paribus, pode-se dizer que houve apenas uma grande causa para as reincidentes crises das quais padeceram o Brasil: a fragilidade das contas públicas ao cenário externo.

Versinhos





Você é aquela de cujas palavras nunca hei de duvidar;
a quem meu orgulho sempre se há de curvar.
E enquanto queima lá fora o mundo impiedoso,
cá há este peito que te oferece conforto.

Quando poesia e romance tombam derradeiros,
permanece de pé desnudo apenas o amor verdadeiro.
Os badalos anunciam, em dobres de luto, sepulto prematuro.
Jáz, inerte, genuíno amor puro: o primeiro e único.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

XXXV

Advertência
Àqueles recém formados bacharéis e licenciados, tecnólogos e pós-graduados que correspondem à parcela da população economicamente inativa, vulgo "semedão" (Sanches, Marinólia), cuja renda vertem à cursos de especialização e capacitação e afins, em detrimento do lazer e a da indolência, digo-lhes: a descapacitação é rota da fortuna!

Assumamos a hipótese de que Diego Amorim, porteiro, em seu ambiente de trabalho, levou uma pancada na cabeça do seu colega de trabalho, o auxiliar de serviços gerais Rafael Barbosa, por ter cometido alguns deslizes ao negligenciar padrões e normas de segurança da empresa. Tal quadro mesopático acabou-lhe tolhendo tais ou quais movimentos dos membros superiores, de sorte que acabasse impedido de desempenhar suas funções em plenitude da sua capacidade laborativa.

Neste contexto, foi-lhe concedido auxílio-doença acidentário (que difere, em alguns aspectos, do previdenciário), de cujo cálculo, que considera a média aritmética de 80% dos maiores salários de contribuição, extraem-se 91%, cuja fração comporá sua Renda Mensal.

Bem, sucede que a constituição veda a concessão de benefício gerido pela Previdência Social inferior ao salário mínimo (art. 201, §2ª), sem embargo da regra que estabelece a sua devida atualização, na forma da lei (ibidem, §3ª). Não obstante, há, para benefícios acima do mínimo, indexador distinto, conforme gradação de valores nominais, a exemplo das alíquotas de contribuição ao Sistema Previdenciário.

Conquanto os benefícios de salário mínimo, corrigidos à variação do INPC e ao PIB de dois anos antes, incorporam ganhos não só nominais como também reais, aqueles acima do piso, em termos relativos, acumulam "perdas" comparativas sucessivas.

Ex: Utilizando o caso acima, Diego, cuja renda, agora reduzida a 91% do salário de contribuição, como se tratasse de salário miúdo R$ (586,00 - piso da categoria), incorreu no piso.

Comparando-se o salário mínimo de 11 anos atrás - R$ 136,00 - com o de hoje, há aproximadamente um ganho de 400%; ao ano, seriam 36,36%. Aplicando-se este mesmo percentual aos seus R$ 545,00, temos um montante de R$ 743,18, posto que, para benefícios acima do mínimo (onde jaz também o seu salário de contribuição), houve acréscimo nominal de apenas 120% (10,90% a.a.). Aplicando-se a mesma lógica matemática à sua remuneração, ainda em atividade, obtém-se um montante de R$ 649,93! Uma diferença de R$ 93,25!

A despeito da problemática de aposentados e pensionistas submetidos ao regime geral de Previdência Social, cujos benefícios arrocham-se a cada ano, e ao bem da coerência e da coesão desta exposição, não podemos negar a hipótese de que Diego, avariado pela perda temporária do vigor laboral, agradecerá a Rafael pelo piparote "mal" sucedido.

De resto, cabe salientar que nunca se foi tão lucrativa a automutilação. Acaso subsistam os fatores da incapacidade, ao cabo de um ano, um hipotético reajuste dos seus proventos, em suma, daria a Diego Amorim vantagem pecuniária de R$ 93,25 (p/ remunerações iguais dos litigantes), com a qual lhe pagaria o benefício com duas grades de Skol (valores aproximados).

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Brumadense


Caro amigo Brumadense. Venho por meio desta publicação honrosa fazer-lhe homenagens de amigo sincero. Não é que me arrebatara este ímpeto de camaradagem? É, sim senhor. E não há expressão mais iconoclasta senão esta.
Mas não é com requintes de homoafetividades recônditas que lhe venho fazer as vezes de íntimo. Não! A verdadeira camaradagem é aquela que apunhala a faceirisse fraudulenta, estripa a aleivosia cambaleante, rói a cegueira mandriã; esta mesma, que lhe cerceia os instintos pueris e lhe comprime a juventude num análgésico das formalidades sociais.
Perdoe a franqueza de espírito e os eventuais solescismos de estilo; reparto-os contigo, embora não creio que os possa identificar por si. Não deixe que as primeiras palpitações mais contundentes que a perplexidade imprime à pressão sangüínea lhe cinjam a capacidade de interpretação crítica e dialética - com a qual lhe sirvo agora e da qual és tão carente. Vai mais fundo e chegarais à conclusão que esboço neste momento.
De início, deixo antes registrado que estes dois parágrafos acima teriam sua concepção interrompida acaso não me tivesse escorrido do nariz algumas gotas de sangue venoso (deduzo-as pelo tom). Se este prólogo lhe parece deveras obscuro, atenta para o que se lhe segue.
Sucede que, tendo-me o sangue escorrido pelas narinas, não o nego, como num turbilhão de relâmpagos de memória, lembrei-me do Rugby, de Elson, da pancada despropositada que me dera à fuça, do sangue deitado ao gramado, de Raquel, do sangue coagulado na cavidade nasal e da respiração truncada do regresso. Este tal turbilhão e o insistente e repentino sangramento fizeram-me arrepiar a espinha. Era a fragilidade do Homem que se me abatera à consciência. A tal fragilidade que levara à minha mãe uma amiga querida. Não se concebe como uma mulher de 40 anos pudesse padecer de um AVC quando, a 4 horas antes, sentisse tão-somente uma leve dormência no braço esquerdo. As idéias foram-se-me desencarrilhando a mente e veio desembocar na distância que o tempo e as incumbências adultas prostraram-se em nossas vidas. Digo-o assim antes por termos analíticos, para que então pudesse-se familiarizar com o termo sintético: o meu apreço por vossa pessoa.
Esta era a minha pretensão à altura. A natureza da memória é deveras pérfida quando lhe mais queremos os benefícios. De um modo ou outro, cerrada a inspiração repentina que me veio naquele momento, resta-me apenas a intenção que é de fato objeto destas linhas e me guiara até aqui.
Aproveito a ocasião dos festejos do dia do amigo para lhe fazer esta homenagem. Sinto falta dos nossos debates em tom de megalomania, da sua impassibilidade tabaréu, da sua capacidade reduzida de examinar problemáticas sem incorrer em subjetivismos abstratos, da sua objeção às coisas recônditas ou entrelinhadas (ex: você, sr. de engenho do sec. XIX, puniria um escravo fujão com um pouco de tronco e limbada). Enfim, aproveito-a para jogar logo essa porra no blog.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Mareiro


Tão logo singraram pela janela os primeiros raios solares do dia, Samuel apeou-se da cama e pôs-se de pé, ignorando decretos e portarias que aquele soninho matinal mais letárgico expede unilateralmente.
Talvez os tormentos da noite anterior lhe tivessem tolhido o gosto pelas colchas e lençóis e travesseiros; decerto é que estremecia a cada segundo que tais lembranças atravessavam-lhe a vista, tal era a frescura das memórias do evento. Tinha plano certo e cabia-lho pôr em prática. Eis quando o coração cega a razão e o indivíduo nega as controvérsias, que, por vezes, a despeito da resolução acolhida, seduz-te sorrateiramente ao covil dos ímpetos.
Meteu-se no carro e seguiu o itinerário que já sabia de cor. Cabe salientar que neste dia o sol era bonito e grande, o céu era azul e límpido e as folhas das árvores refletiam os raios solares que, regidas pelo Mareiro matinal, num compasso de semínima, balançavam-se de lá para cá como estrelas rutilantes; acredito que o sol não se queixaria desse bocadinho de luz desperdiçado efemeramente, se se pode imputá-lo como tal.
Samuel ignorava as belezas da natureza, embora ela se tivesse esforçando deveras para se fazer notar e espairecer-lhe as idéias. Mas o sofrimento e a desídia só lhe tornavam a vista para as imperfeições do sistema capitalista e à má gestão da máquina pública, representados, respectivamente, pela desigualdade social imperativa na cidade e a má conservação das vias públicas. Daí se pode concluir que a beleza só é bela ao espírito de quem lhe convém ser.
À medida que se ia aproximando do destino final, aos poucos e ao longe, podia avistar a janelinha que, em tantas outras oportunidades, serviu-lhe para ir acompanhando os passos da sua amada rumo ao ponto de ônibus, donde tomava a condução para a Universidade. Era obra casta e recôndita, dotada de dois quadrados de fibra de sílica industrializada, coberta com certo material para filtrar a luz solar e rodeada por azulejos quadrados verdes ainda menores que recobriam a fachada do prédio.
Enfim, chegara. Como num surto de intrepidez, fez límpida a mente das hesitações e traçou os primeiros movimentos em direção ao edifício. Ao cabo, empacou. Empacara diante da porta que por tantas vezes afrouxou-se-lhe as trancas, como o fluido escoado do seio materno, para que guiasse aos braços de Natália, esse era seu nome. Alguns anos mais velha do que Samuel, era pálida, um pouco alta e um tanto mais bela do que se supõe por fotografias. Tinha lábios carnudos e frescos, todavia discretos, dada a simetria dos traços. Os olhos eram duas esferazinhas levemente adocicadas com algum mel e doce de limão, profundos e expressivos, belos no talhe, ainda que estivesse ela absorta em preocupações a que freqüentemente se impunha - daquelas já exauridas mas das quais ainda se espreme um rédito de arrependimentos e conjecturas de coisas já ocorridas e findadas. Ora achava-os concentrados nalgum texto dos quais nunca se via livre, compromissos acadêmicos. Dizem que a medida do amor é diretamente proporcional ao tempo em que se consegue manter o olhar fixo ao da pessoa amada; Samuel e Natália não o puderam obter medida exata; embebiam-se dos amores recíprocos, ele ainda mais do que ela. De resto, era casta, prendada nas artes do crochê, um pouco dada às folias coletivas das amizades mais próximas e muito decidida de si; ao menos, era o que julgava. Se de todas as suas qualidades, o gosto humano, volúvel como só ele, ainda consegue lhes achar imperfeições, escapam-lhes as mãos; mãozinhas lindas como só elas, feitas à forma que se acha repartida em infinitos pedaços, tal é o alvitre de um tesouro raro.
Samuel viu-se então na situação que previra, mas preferira ignorar. Ponderara, então, as seguintes opções: a) dormia ela sono pesado, como já lhe conhecia os hábitos e, neste viés, não se aconselhava gritar ou telefonar; e b) ... Acabou quedando pela primeira.
Não se compreende pelos filósofos e os profissionais das ciências Humanas elucubradas o quanto pode um homem remoer uns pensamentos já pensados e repensados. Mirou-se neste diapasão nosso protagonista, e acabou sentado à escadaria que dava para o prédio.
Por alguns quartos de horas, senão horas, Samuel lá ficou. Tinha já tudo planejado. Pretextos, argumentos, réplicas, posturas, súplicas etc. Sentia que de lá não devia sair sem que se fizesse ser ouvido. Queria ao menos contemplar-lhe o rostinho, saborear alguma expressão de arrependimento. Pegou do telefone e ligou. Ao cabo de alguns toques, já não se lhe notava a cor dos lábios nem o vigor das pálpebras. Não atendera à chamada, Natália; esforço vão; mais do que isso, uma evidência dos rumos. Muitas teorias econômicas doutoram-se a partir de hipóteses baseadas em evidências não menos factíveis do que esta. E foi desta resolução que Samuel subscreveu a sua. Volveu oitava à direita e seguiu em marcha reta a pé firme em direção ao carro.
Ao longo da diligência, não pôde deixar de notar a praia que se achava a não mais que cinco metros de si. Reparou nos movimentos frenéticos das folhas dos coqueiros, no cheirinho fresco do Mareiro supracitado e nos mendigos desacreditados da vida. Olhou fundo o horizonte e lhe não achou sequer alguma embarcação ou vestígio qualquer de presença humana. Engoliu um pouco de solidão e frustração, recobrou algumas memórias doces ao lado de Natália; notou nas senhoras e nos senhorzinhos, atletas do dia-a-dia em suas sessões aeróbicas assíduas e sentiu o pesar de sempre lhe ter negado a companhia numa caminhada ao longo da orla.
Já com a chave na ignição do carro, como um sussurro ao pé do ouvido, sentiu estremecer a espinha, à proporção que reconhecia do antagonismo de realidades que havia testemunhado e sido vítima. Não restou ali cinco minutos, o sinal abriu e ele partiu.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Amoreira


Em Itaimbó, interior da Bahia, havia um vilarejo famoso pelo seu pé de amora. Alto, opulento e vistoso, era realmente de dar-se inveja às populações vizinhas. Ele chegara em hora oportuna. Deu-se um período longo de estiagem na região, mas o recebeu o povo não com tanto despeito ou desagrado algum que houvesse. Agradeceram à providência tamanha dádiva.
Tal qual o fruto proibido, não faltaram intrépidos vaqueiros a quem a anedota soasse como galhofa. Assentiu-lhes a tentação, deste caso puramente social, e estava consumado o pecado original.
A população humilde deleitava-se das voluptuosidades vistosas daquela angiosperma, e o pé de amora não se demorava a fazer brotar os primeiros frutos mais tenros e suculentos, cuja essência extraia-se quase que libidinosamente, a cada lambida que se davam nos beiços, no dedos etc.

O prazo que se deu a esta algazarra não fora contado, tampouco o foram as previsões acerca da sua produtividade. É o que se diz por ai quando a oferta excede a demanda... Não é o caso deste relato.

E o pé de amora não cabia em si de lepidez e euforia, a despeito das previsões menos otimistas. Emendava, a cada fruto gestado, um tanto de garbo e requinte que se lhe compunha a silhueta sem vulgaridade. Não obstante falta-se-lhe um coração humano e corre-se-lhe seiva-bruta pelas entranhas, julgava justa, líqüida e certa a emoção que sentia.

Correram-se os anos e o pé de amora tornara-se símbolo daquele recém emancipado município, de outrora vilarejo de acanhadas economias.
Espalhavam-se notícias pela proximidades e todos já conheciam das formosidades daquele vegetal.
Sem embargo do que se lhes proviam em épocas mais tranqüilas, houve quem já lhe rascunhasse uma oração ou uma cerimônia digna da sua importância; previam-se já as crias e as gerações futuras.
Não há registrado nos documentos da câmara legislativa que comprovem por quais razões ou métodos científicos, enfim; sabe-se apenas que se descobriu uma lástima imensurável: o pé de amora era estéril; não procriava, seus frutos eram inóquos e inférteis.
Talvez por mero desígnio do destino, ou capricho de Deus. Não se sabe ao certo. Sabe-se, porém, que não foi dada outra solução senão derrubar o nosso querido pé de amora.
Não pasme, estimada leitora. Há razão certa e demasiada justificável para tão grave sacrilégio. Revelo-lhe.
Damião Enésio, cientista contratado pela prefeitura, renomado internacionalmente, não se sabe com quais métodos ou recursos, desenvolvera uma forma de reprodução assexuada derivada de embriões de espécies híbridas de pés de amora mato-grossenses e agora poder-se-ia fazer gerar um novo pé de amora tão bonito e agradável como o nosso pé de amora. A beleza, fruto das sínteses sociais, expressão máxima da liberdade humana, sucumbe inerte às malhas de poliamida do interesse. Dissera ele, em frase célebre, cujas linhas foram gravadas na lápide que se encomendou simbolicamente ao eterno sepulcro do nosso protagonista: achei alguém para te substituir.
Ao nosso amigo, não sobrara nada senão o que já era decreto do prefeito:

DECRETO MUNICIPAL Nº 33.892, DE 02 DE JUNHO DE 2010

Dispõe sobre o remanejamento das toras provenientes da derrubada do pé-de-amora, para fins de alimentar a lareira da câmara municipal de Itaimbó.

(...)

Antônio Amaltéia, secretário da agricultura.



segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Ode ao corno


Reluzente e cintilante.
Imponente e fulgurante.
Ao casco ostenta
Divina honra por encomenda.

Ó bovino de carga errante.
Os antolhos, achou quem lhos provessem fotossintetizantes.
Fatigado o lombo, ao sol, esquenta.
Ó proletário pelego cuja súmula saiu-lhe pior do que a emenda.

Inepto, papalvo,
de outrora intangível inestimável,
agora, envelhecido, definha a solidão estupefato.

Burro, mentecapto,
mergulhou de olhos fechados.
Abandonado e improdutivo; só lhe resta o abate.

sábado, 3 de julho de 2010

Reminiscências

Em pé: Galeno, Martin, Diego, Portuga, Vitor, Dudu, Handoff, Juranda, Hira, Shaka (c), Gustavo, Leandro e Jonca.
Agachados: Eu, Edu, Bitcho, Sérgio, Mariano, Jô, Dragão e Gabriel.
//////////
A experiência mais inspiradora pela qual já passei foi a minha primeira partida de Rugby de XV. Ocorrera em 22/08/08, quando a nossa equipe - Orixás Rugby de Salvador - visitara São José dos Campos para enfrentar a agremiação local, pelo "Super 8", competição de nível nacional da modalidade.

Todas as expectativas sugeriam que tomaríamos uma lavada e seríamos liqüidados embaraçosamente pelo adversário, até então, o time mais forte do Brasil. Fomos preparados para provar o contrário. Entramos em campo em paz conosco e com o objetivo de sairmos de lá honrados.

Quando entrei na partida, já se contavam completos 65 minutos de jogo (uma partida de rugby de XV dura 80 minutos). Nosso time, então reduzido a 13 homens, perdia por 36x5, o que, para nós, constituia um grande resultado. Detivemos as investidas ofensivas do adversário até que uivasse o apito final. Ao cabo, não pude conter as lágrimas quando o nosso capitão reuniu-nos e falou o quão orgulhoso estava da nossa atuação e de como defendemos a honra da nossa cidade. Entoamos juntos os nosso hino e ausentamo-nos do relvado de cabeça erguida.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Do Sobradinho


Abre tua mão,
não te acanhes.
Deixa gotejar os instantes
que, deste coração, coroar-te-ão.

Abre a janela;
a vista é bela.
Mas há um pontinho lá ao longe
que, insistentemente, não se esconde.

E quando cái a noite,
à memória percorre-lhe
momentos de apurado deleite.

E mesmo que ao peito de outrem se deite
este cá, que te recordes,
estará sempre para que de ti enfeite-se.

Ilha de Mactan


Estendido no canapé jazia um corpo inanimado. Morto? Equivocada constatação. Era apenas a desilusão que lhe abatera a tenacidade e o vigor dos músculos, como é de praxe, nos diagnósticos mais superficiais. Pudera esta ter sido a razão, aparentemente, de tamanha consternação, ponderara o médico. Com efeito, julgou serem necessário aprofundados exames. Ao paciente, receitara repouso e moderado consumo de líqüidos; medida paliativa. Ademais não o fosse necessário, não o recebera contrariado, tal era o alvitre homeopático.

No tempo divagara, nosso pusilânime herói. Às horas que passavam, às noites que chegaram, nada lhe oferecia consolo. De novo vinha-lhe aquela velha dor, pérfida inquilina que em seu coração fazia permanente morada. Tácita era a cláusula do contrato que firmara e rubricara. "Sinistros são mais freqüentes do que parece", advertira-lhe seu amigo corretor de seguros. Como uma Nau cruzando o Cabo das Tormentas, ao cabo do desconhecido, onde o Oceano faz fronteira com Urano, metera-se à proa em busca de terra firme. Achara-a deveras, mas este era só o prólogo dos desafios que se lhe interpuseram, não fossem as ofensivas constantes das populações nativas, relutantes orgulhosas em ceder a paz dúbia. Fernão de Magalhães, intrépido desbravador das voluptuosidades esféricas do planeta, não acha trilha para esta resposta. Morrera crente, convicto de que se tornara rico. Tal é a pobreza de espírito quando se mira o velho amigo com um olhar incompreensível.

E quando menos se espera, um lobo sorrateiro, parasita mandrião, com destreza e cautela ardilosa, o coração lhe acerta com uma flecha batizada. Mas, como lhe é de reputação, não cede e resiste ao golpe profundo, sem embargo das cicatrizes e infecções.

Enfim desvendara o médico a razão do que lhe acometia severas mágoas. Medira as doses da composta fórmula antibiótica; obra hercúlea não fossem as recentes publicações científicas. Para ele, é o elixir da liberdade.

Porém, advertira-lhe o doutor tratar-se de um medicamento antibiótico e experimental, e que as doses devem ser sorvidas disciplinadamente.

- Doutor, será que me curo deste mal? Pergunta-lhe o rapaz aflito.

- Infelizmente, filho, só o tempo poder-lhe-á dizê-lo.

Uma folha de caderno


Quando o amor lhe solapa os alicerces,
A qualquer sobra agarra-se.
Uma réstia da parca esperança
é tudo o que te está ao alcance.

Encara-te a ti mesmo no espelho...
O futuro é deveras incerto.
Mas ele espeta-te com a insolência e a prepotência de um
cego: o destino.

Nada é mais eficaz
a um amor débil e capenga.
Às cambaleadas vacilantes,
uma brisa acanhada faz-se o bastante.

Este coração que vos fala,
Das mazelas do amor desencabaçara.
Ferida terrível que nele faz vitalícia morada.

Pobre é o homem que se vê derrotado.
Derradeira Volúpia Humana,
que subjuga um amor tão dedicado.

Encontra ele pulsos elétricos em fonte intermitente.
Mas, dos milagres de Deus, provalvelmente,
este era o que lhe parecia mais verossímil.

Amigos agora?
apunhála-o pelas costas.
Não o compreende, papalvo:
duas forças concorrentes;
mas à dor da distância, a amizade lhe é suficiente.

Incorruptível, convence-se inconsciente do incurável.
Doce morfina da razão.
Extrái-lhe a última gota,
em busca de um efeito prolongado.

Inefáveis são os mistérios da nossa mente.
Quando somente na ausência compreende
quem sempre nutriu-lhe eugênico amor.

Dos arrependimentos,
demasiados são os casos.
Mas apenas um vos relato:
ter sido ausente relapso.

Quero que saiba:
mesmo que as nuvens ao chão deságüem
e as estrelas do céu desabem.
para sempre será o meu amor que te espera.

sábado, 12 de junho de 2010

Sábado de sol


Era um sábado de manhã; um sábado como outro qualquer, exceto pelo fato de eu o estar desfrutando em plena Engomadeira. A leitora mais perspicaz deve-se estar questionando o que há de tão atrativo no lugar e no período do dia supracitados. Explico-me. Não te aflijas.
É fundamental antes criar um contexto para este relato. Com efeito, trata-se este de mais um dentre tantos que ouvimos diariamente - os quais, embora sejam de hercúlea constatação e de improvável verosimilhança, entediam e entretêm-nos os ouvidos... por algum momento -, exceto pelo fato dele atender à requisição de uma grande amiguinha minha (não lhe revelo o nome, leitora assídua; dá processo hoje em dia).
Como dizia, sem mais delongas, eu estava lá fazendo pesquisa, mais formalmente coletando dados estatísticos por meio de entrevistas. Concedo um brinde àquela leitora mais atenta cuja imaginação aflorou lembranças antigas das primeiras aulas de geografia; daquela primeira sigla que a professora, abençoada por formas voluptuosas (gostosinha; pelo menos, no meu caso), fazia-lhe decorar a todo custo - inclusive do seu trabalho. Pois tu, leitora intrépida, acertastes se pensastes no IBGE.
Pois é. Em 24/11/08 assinava um contrato temporário de vínculo empregatício com o IBGE, regido pela Lei no 6.019, de 3 de janeiro de 1974. Iludido pela perspectiva de encontrar no serviço público uma comunidade celta romanizada, dei de cara com uma horda viking: ralei.
Meu pai dissera-me repetidas vezes: - Não se vá meter pelas “boca-quente... não vale a pena." Não lhe dei ouvidos: meti-me sem dó. Quisera-lhe eu provar ser digno de exercer uma atividade profissional remunerada como qualquer outro cidadão. Invoquei reminiscências de um passado mandrião, indolente e letárgico, e pronto; estava montado o arcabouço de idéias que iria fundamentar a tese de que eu deveria permanecer no IBGE.
Eis o contexto que me requestavam. Foi por isso que eu estava na Engomadeira em pleno sábado. Dado o pontapé inicial, darei prosseguimento à sucessão de fatos que fizeram daquele sábado incomum para uns e estupefaciente para outros tantos (a realidade é dialética e as idéias são deveras perecíveis...).
- Vai puxar a máquina, é? Vai puxar, é?
- Não, não! IBGE! Sou IBGE!

Para alguns, esse diálogo representa um simples intercâmbio de informações; uma abordagem amistosa acerca dos planos da vida alheia; uma charada ou espécie de mímica corpórea (quem nunca foi trapaceado em “Imagem e ação?); enfim, há diferentes pontos de vista de um fato e há tantas mais outras interpretações do acontecido - que o digam advogados e relativos.
Neste caso incomum, para a perplexidade da leitora mais inepta (que não é teu caso), o interlocutor do diálogo acima estava dirigindo de fato uma ameaça preventiva e amistosa ao receptor, que lhe fez questão de alertar das suas intenções pacíficas e da real motivação do gesto que provocou a presente contenda.
Agora venho, por meio deste, pedir-lhe consternadamente, leitora cativa, um pouco da tua boa vontade, a qual tem sido deveras generosa até o momento, enquanto me vem acompanhando nesse entrelaçar e embaraçar de linhas incoesas e desarmônicas. Deita tuas pálpebras sobre teus olhos, despacha teus antolhos no canapé e paulatinamente põe-te a devanear.
Dado o devido prosseguimento às instruções apresentadas, atente e imagine a seguinte cena: Uma comunidade urbana do século XXI ocupada por pessoas de baixa renda. As casas amontoam-se por dentre as demais, vizinhos compartilham um mesmo muro entre as propriedades, as grades põem-se nos locais mais criativos etc. Um agente de pesquisa e mapeamento do IBGE, num momento de euforia e frenesi absoluto (em público, nós pobres mortais evitamos a manifestação deliberada de emoções para evitar indagações de terceiros): completara suas tarefas. O caminho de saída: uma travessa, cuja via é razoavelmente inclinada, encontra-se livre de obstáculos. Equivocada constatação: um elemento caminha na direção oposta, avista o pesquisador que porta uma bolsa pequena onde há seus pertences. Num momento breve, o pesquisador alcança sua bolsa, trá-la ao alcance da sua mão esquerda, e, num movimento brusco, alça um handpad. Pelo menos, era esta sua intenção. Não o compreendera o elemento interlocutor e logo pôs-se-lhe a questionar o que dali sairia, enquanto manuseava o seu coldre. Momentos de tensão. O jovem pesquisador, aflito e inseguro do seu destino, ergue os braços ao céu e clama pelo deus IBGE - guardião das estatísticas helenas (e das nacionais também) -, que lhe poupe do mau que vê iminente. As preces são feitas. Parecem-lhe eficientes, enquanto avista o interlocutor curioso afastar-se inofensivamente.
É claro, casta leitora, que, em dois anos de prestação de serviços ao IBGE e ao povo brasileiro, houve revistas, molestações morais etc. Mas este relato é o mais marcante, em minha modesta opinião.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Kombi


Já havia algum tempo que eu desejava trocar de carro. Para aqueles que desconhecem esta volúpia compulsiva e impetuosa da natureza humana, digo-lhes: cede aos gerentes de carteiras de crédito e faz-lhe as vontades.
Era o que eu pensava, no momento em que chegara a conclusão de que eu queria uma Kombi.
Poucos rapazotes, que andam lá pelos seus 22 anos, vislumbram a alternativa de trocar seu carro esporte por um automóvel de médio porte e design, digamos, pouco moderno, como é o de uma Kombi dos primeiros projetos. Eu o faço; e com todo gosto. Para mim, ela é a síntese de um carro útil, versátil, econômico, bonito, arrojado e de fácil condução.
É aquele carro que me levará aos cantos da Bahia; e não só a mim: na Kombi cabem todos (inclusive a mudança, os bichinhos de estimação, a piscina etc). E não concluam vocês que todo esse monólogo mental, que deveras ocupara-me o juízo durante os congestionamentos da cidade de Salvador, fizera morada em meu coração com toda essa facilidade. Pelo contrário. Até que eu me desse conta de que é uma Kombi que quero dirigir, levei uns meses talvez. Aos poucos ela me foi cortejando; aos poucos aquela idéia ia-me ocupando o pensamento, seduzindo-me... Até que, hoje, vejo-me absolutamente apaixonado.
Devo confessar também que este texto contribuíra deveras para me afogar ainda mais nesta paixão.
Eu ainda não tenho uma Kombi, como já devia ter concluído a leitora mais perspicaz, embora, muito embora, eu já esteja fazendo as minhas poupanças.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Ônãufebétu


Laís pediu-me para redigir uma redação (comecei bem, hã?) que tratasse d' "O analfabetismo no Brasil. Não sei onde ela tinha posto a cabeça ao me fazer tal requisição: ora, não mais freqüento pré-vestibulares; devo ter-me esquecido daquelas "mainhas" de professor de cursinho pré-vestibular; técnicas bem rudimentares, posto sejam deveras eficazes. Quesnay revolve-se em seu enfadonho sepulcro de modo a ajustar o mínimo de audibilidade no seu eterno aposento, lá nos cafundó... do dito cujo, claro. Poder-se-ia calar; mas a língua coça - sarna maldita. Enfim, como um excelente redator de redações - aquele que não foge do tema, ao menos -, vou-me ater ao que me dispus quando aceitei-lhe o desafio e quando resolvi ficar acordado até essa hora (maldito seja o tempo, a velocidade e todas essas variáveis físicas que fazem o relógio andar com os próprios pés e atropelar nossas aspirações).
Todo indivíduo analfabeto está deveras fadado ao pior que a Humanidade lhe reserva: a exclusão. E é em tempos modernos correntes que esse fenômeno social torna-se cada vez mais crônico, haja vista a evolução arrebatadora das Ciências e o ritmo frenético pelo qual subscrevem-se as inovações tecnológicas.
De acordo com Silveira Bueno, analfabeto define-se como todo aquele que "não sabe ler e escrever". Tal estirpe de inferência mostra-se deveras anacrônica, resguardando-a por eufemismos. Cá no Brasil, foi-se o tempo em que bastava ao cidadão deitar ao cheque - ou qualquer outra espécie de documento - sua assinatura e lá já poder-se-ia considerar um indivíduo alfabetizado, em pleno gozo dos direitos que as Leis lhe reserva. Já não são mais desse século os coronéis que impunham aos seus cativos - inclua-se ai a mão-de-obra compulsória remanescente do regime trabalhista anterior; os apadrinhados, que cambiavam seu dispêndio em energia física por remuneração em benefícios etc. - o voto de cabresto, lastreado numa comprovação inverossímil, porém irrefutável, do nível de alfabetização do indivíduo, que o qualificasse como capaz de integrar a fatia da população sufragista. Os séculos prosseguiram sua cavalgada no tempo, e hoje não só basta ao cidadão submeter-se a um sistema de qualificação aos moldes daquele supracitado: o processo de Alfabetização tem que fundir o procedimento clássico de educação à inclusão digital.
Eis a internet. Nunca no mundo pôde-se produzir, divulgar e ter acesso ao nível de informações que há em cirulação atualmente. Por meio dela, pode-se satisfazer um grande número de necessidades, num intervalo de tempo imensuravelmente curto, em termos relativos. Através da world wide web, mesmo aquelas pessoas que possuem limitada capacidade de compreensão da língua, conseguem interagir com softwares que lhes permitem a prática de atividades que desenvolvem o racioncínio lógico, a concentração, o próprio exercício da leitura, haja vista que na telinha do computador as notícias, os anúncios, os textos, enfim, tornam-se mais atrativos e mais estimulantes. São incalculáveis as benesses que a internet e a tecnologia como um todo pode proporcionar à alfabetização do cidadão.
Portanto, não só o simples processo de aprendizado tradicional é fundamental na formação de um cidadão, mas sim a inclusão digital e a interação daquele com esta, de forma que possa surtir resultados mais eficazes no processo de alfabetização de cidadão, permitindo-lhe um completo desfrute do exercício pleno de sua cidadania.

sábado, 4 de outubro de 2008

Coisas que são boas


Uma coisa brilhante é o poder de comparar situações, usar uma história para contar uma outra, falar de um olhando para o outro, e então deixar as metáforas se levarem ao longo das interpretações de cada um.

No mundo estão divididas as coisas boas e as ruins, de acordo com cada referencial e pensamento.

A paz, o que seria a paz?! A paz é boa para todos?! E quem apóia a guerra?!Nos conjuntos das coisas boas ou ruins, é muito comum que os elementos de cada grupo se interliguem.

Em certo referencial, a paz é considerada como a coisa boa e a guerra como a ruim. Outra coisa que pode ser também considerada boa é a amizade, um fruto que motiva pessoas, que está presente na vida de todos, que faz acontecer, que faz mudar, que fica guardada para toda a vida.

Ninguém simplesmente escolhe as amizades, apenas umas dão certo e outras não, e das que deram certo, só algumas crescem. Para que se torne algo grandioso, uma amizade passa por diversos empecilhos, até que realmente se estabeleça aquela paz.

Mesmo estabelecida, sempre pode existir algo para perturbá-la, algo como mentiras, traições, brigas, ou seja, verdadeiras guerras, que destroem tudo aquilo que foi construído ao decorrer do tempo.

A destruição pode ou não deixar ainda existente pequenos laços, como em grandes guerras, muitas vezes sobram pequenas quantidades de pessoas, e assim como nas guerras, esses pequenos laços podem voltar a crescer e podendo ou não tornar aquilo tudo grandioso novamente.

domingo, 22 de junho de 2008

Ventos de outono


Sopravam os primeiros ventos mais frios do ano. Outono anunciava-se, e os mais frescos orvalhos daquela manhã escoavam às folhas da mangueira de São Coutinho da Ribeira. Não que seja relevante, em matéria cronológica, citar por que parcos destinos caminhava a humanidade, mas teimo em expô-los; sou prolixo, e o sou por pura casmurrice.

Era, então, fim de temporada no Brasil; pelo menos para as forças militares nacionais em expedição apaziguadora em Assunção; no parlamento, promulgava-se a lei de 28 de setembro, de fundamental relevância para a consecução da concretização da aquisição dos Direitos Inalienáveis do Homem pelos escravos negros, a saber, a propriedade privada, a liberdade etc; diziam-mo os ingleses. Paris rendia-se às coalizões proletárias para-militares socialistas e reduzia-se a um punhado de trincheiras mal guarnecidas da Comuna de 1871; enfim, os tempos andavam nos conformes.

Mas, ali, próximo à mangueira supracitada, Santiago e Guedes proseavam despretensiosamente sentados à cerca da fazenda Santa Maria do Oeste, destacada pelas volumosas safras periódicas de algodão, commodity responsável por 78% da receita de exportações da província de Pernambuco. Era dia de colheita, e eles entretiam-se a fazer ponderações acerca de temas diversos, tão difusos entre si que se dissipavam no espaço, assim como essas letras incoesas e ineptas perdem-se à ação inexorável do tempo e da latente imperícia lexical que me faz leigo delas. Cá, pois, recolhi um trecho dessa brincadeira, que, em minha opinião – Deus sabe! -, me foi mais interessante.

- (...) Toca-lhe à cintura. À medida que lhe vai percorrendo os braços, traz-lhe o corpo ao seu e sente-lhe o calor do cangote; encostem-se face a face, deleitem-se aos trastejos de vossas peles, cinjam-se às notas que lá tocam e a vós mesmos; à melindrosa harmonia que persegues.
Dada a devida consecução, deixa que o tempo mexa seus pauzinhos. Não há nada nesse mundo que se compare a tal regalo. Não concordas, primo?!

Santiago, ao mesmo tempo em que rompia com a imaginação da cena, meneava a cabeça positivamente, corroborando a autenticidade das idéias de Guedes, mesmo que nunca tivesse tido nenhuma experiência semelhante. Mantinha o olhar fixo, sedento por aquelas coisas novas de outrora tão incestuosas, que lhe faziam irromper um desejo voraz, quase inconsciente por mais informações, que, como se sabe, é outra commodity de grande valor no mercado.

Guedes, a parte de todo esse emaranhado de conjecturas que se fazia o primo, continuou seu discurso:

- A música que vos acompanha tem que ser deveras de bom alvitre. Mas, se me permite acrescentar, primo, ainda há mais que isso. Há mais quando tens la chica de costas a ti. Acomoda-lhe o bucho às espáduas, ao passo que lhe envolve tensamente à pélvis. Em pouco tempo, vossos braços, mãos, dedos estarão manietados numa só hera-de-inverno, tal qual as tranças de Rapunzel. Daí, põe-lhe o queixo ao ombro enquanto seu perfume entorpece-lhe. Que achas?

- Confesso-lhe que fiquei tentado, Déco, redargüiu Santiago, à medida que as formosuras de Anastácia iam-lhe dobrando a consciência e os sentidos. Dado o hiato no cotejo, entre ambos, do gosto no trato feminil, vislumbrou ele o momento que se veriam novamente. Que não tarde a noite, pensou consigo. Pensou naqueles olhos, ora castanhos, ora esverdeados, mas tão singelos e puros que lhe tolhiam toda e qualquer espécie de rancor e ressentimento; suspirou àqueles lábios pequeninos e discretos, mas tão doces e tenros como o fruto da querida e generosa mangueira que lhes proviam sombra e conforto (mas a isto só podia mesmo caminhar nos campos das ponderações); não se esqueceu daquele perfume, que, combinado às supracitadas qualidades da moça, sem exagero da expressão, era um feitiço; síncope que lhe tomava as faculdades mentais, posto que lhe trouxesse ânimo sem igual. Para tanto, levava sempre consigo um pedacinho daquele cheiro ao fraque de lã, que não ousava lavar e que não trocava há dias. Amostra essa que foi colhida a muito custo, haja vista que lhe foram necessárias burocráticas conjecturas, até que um surto de intrepidez desponta-se-lhe a parcimônia, ditadora de longas datas, o ímpeto lhe tomasse as pernas e destronasse a hesitação letárgica na qual estava imerso, fazendo-o cumprimentar a filha do coronel Firmino Fernandes de Albuquerque - senhor de um mundo de terras no interior pernambucano - naquela festa que dera este, em anúncio à grande safra que estava por vir.

Não sabia se todo esse embaraço sentimental era obra daquele perfume. Argüia-se se o que sentia era mesmo o que sentia, a despeito do teor entorpecente do mesmo, muito embora não estivesse tão interessado em desvendar esse feitiço; orçarva pelo irracional que lhe cingia o juízo àquele cheiro. Ademais, Guedes não o havia citado à toa; imputou leviandade do primo, que já devia suspeitar do seu desejo pela Anastácia, mesmo nunca a tendo mencionado à sua presença. Concluiu, todavia, que era mera coincidência.

Desta vez, Guedes não pôde ignorar a contemplação astronômica que Santiago fazia daquela noite de céu estrelado, que já sucumbia aos primeiros raios solares; estes timidamente iam ocupando seus devidos acentos.

- A que galáxia tu estás, primo? Aposto que estavas a pensar na filha do coronel, engatilhou Guedes.

- Sim, confessou acanhadamente Santiago, esbanjando todo o pudor que tinha por aqueles pensamentos.

- Seja cauteloso. Mente feminina, há muito que não é relvado para qualquer um, quiçá para um pupilo das artes do cortejo como tu. E, como sabes, ela está de casamento marcado com Manuel Mendes Cordeiro, filho de Alfredo Mendes Cordeiro, dono da maior casa comissária de Recife, a Mendes Cordeiro S/A. Sugiro-lhe que não percas teu tempo; não há muito a ser feito.

Santiago sabia que Guedes não mentia; ao inverso, era pura verdade o que dissera. Não poderia tê-la, de jeito maneira. Não tinha muito que oferecer, senão todo o afago do seu abraço e o calor do seu fraque de lã, e tudo aquilo que guardava a custo de muita angústia embaixo da pele. Embora houvesse tanto a ser dito, estava decidido, sôfrego, mas decidido: não devia mais procurá-la; optaria pela prudência. Não cabia a ele fazê-la feliz. Destarte, poupar-lhe-ia o sofrimento da insistência de uma batalha desertada.

Santiago mal concluíra seu monólogo mental no qual baseara seu parecer final acerca das questões amorosas que lhe intumesciam os neurônios, quando de lá viam em comboio os escravos da fazenda, custodiados pelos capatazes do coronel, iniciar a colheita. Seria um longo dia.

Já então se podia avistar o Sol majestoso devolver a noite às sombras. Aos poucos, os músculos da testa contraíam-se-lhes em protesto aos raios solares que lhes afetavam a vista. Dava-se então, burocraticamente, continuidade ao protocolo dos dias.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

O Concreto e o Cristal



Da labuta natural em ternos anos
Do cuidado magistral da terra viva
Que entrega-nos o cristal de suas entranhas
Delicadeza de beleza tão altiva

De tantos calos e do suor que desce à face
Do equilíbrio singular dos elementos
Se faz penoso o concreto ainda cru
Que envelhecido não cairá ante um tormento

A reluzência custa um preço ao cristal
Para lapidá-lo se há de ter sutil talento
Já o concreto se faz mole para moldar
E não reluz, mas se secar resiste aos tempos

E assim suplanta a beleza do cristal
Pois nessa vida sempre sopram fortes ventos

sábado, 15 de dezembro de 2007

Ordenada da Fé


De menos infinito à origem

O ser humano, se sabe, é detentor do maior potencial intelectual dentre as formas de vida que habitam o planeta Terra. Esse potencial é tão copioso, que dá ao homem peculiaridades notáveis. Dentre elas, conscientizar-se de sua própria e factual (?) existência; conceber a matemática; relacioná-la aos fenômenos para explicá-los (física!); conceber o tempo e sua inexorável cadência; e – talvez a mais fundamental – questionar-se acerca da razão da existência de todas essas “coisas”. Diante deste mistério basilar, houve quem primeiro atribuísse o fato a algum ser obviamente anterior ao homem, e supostamente dotado de capacidades superiores, dentre as quais o dom da criação. O sucesso alcançado por essa fascinante elucidação encontrou alicerce em um fato curioso: a capacidade de se provar a sua validez é absoluta e irrevogavelmente equivalente à capacidade de se provar o contrário. Ou seja, nenhuma. Eis o surgimento da fé. Contudo, dado o caráter materialista dos seres humanos, diversas entidades do mundo visível foram relacionadas ao Ser superior, em diferentes civilizações e períodos históricos, para dar-lhe uma forma; uma ingênua tentativa de tangenciá-lo. Animais, astros celestes, fenômenos da natureza, indivíduos ilustres, etc., são exemplos de modelos que, ao longo dos séculos, foram credenciados como a manifestação da Divindade. Entretanto, à medida que a ciência evoluía, desvendando os fenômenos naturais, esses modelos tinham que ser substituídos por outros novos, mais robustos e menos explicáveis, porém essencialmente equivalentes em respeito ao caráter superior do Ser. Tal conjuntura parecia configurar um interminável impasse entre as formas de Deus e a ciência – ora surgindo uma nova forma, ora surgindo uma nova desmistificação desta –, mas que naturalmente alcançou uma solução singela: atribuir-se um caráter subjetivo à forma de Deus, de modo que a ciência não lhe possa afetar, uma vez que o domínio da mesma não abrange o mundo subjetivo. Ora, isso é formidável! Este arcabouço de idéias dá suporte a que o homem preencha satisfatoriamente o seu vazio existencial, explicando desde o cosmos infinito, até a origem de todas as coisas.


De mais infinito à origem

A ciência é como os cavalos; teve sua fase de potro, frágil e cambaleante, ainda descrente do potencial de suas franzinas patas em prover-lhe sustentação; e muitas foram as quedas, os tropeços, os ensaios de galope, que ao longo dos anos atribuíram-lhe vigor, experiência e compasso de corcel, com tamanho encorpo e firmeza, que assim como os cavalos, pôde sustentar não apenas a si própria, independentemente, como passou a carregar consigo o homem, em marcha cadente, permitindo-lhe angariar o mundo e suas maravilhas.
E é assim, montado na ciência e firme de suas rédeas, que o homem avança campina adentro, descobrindo e desvendando os misteriosos fenômenos que o rodeiam. Foi assim que os gregos apreciaram as formas geométricas; Aristóteles enxergou a natureza esférica da Terra; Copérnico e depois Galilei nos mostraram o heliocentrismo; Newton legislou sobre a mecânica dos corpos; Kepler, sobre a celeste; Maxwell revelou-nos a essência do eletromagnetismo; Pasteur trouxe luz aos microorganismos; Darwin articulou o motor da vida; Demócrito, Dalton, Thompson, Rutherford, Bohr, Summerfeld, cada um com uma parcela, conceberam o átomo; Hubble verificou a expansão do universo; Einstein tornou-o relativo; Heisenberg, incerto. E foram estes dois últimos que a mais próximo da elucidação final trouxeram o vistoso corcel científico. A teoria da relatividade geral de Einstein consegue explicar tudo que é muito grande (estrelas, planetas, galáxias...), mas falha ao penetrar no universo das coisas diminutas (átomos, elétrons, quarks...). Nesse território, quem impera é o princípio da incerteza de Heisenberg, que nos impede de conhecer, com exatidão e ao mesmo tempo, duas variáveis de estado inerentes a alguma partícula, como a velocidade e a posição. Temos então uma lei que governa sobre as coisas grandes, e outra sobre as minúsculas. Bastaria, portanto, combiná-las para que tivéssemos uma lei geral, que explicaria tudo (magnífico!). Infelizmente isso não se mostra possível; ambas as leis não se compatibilizam, não se associam, e quando tentamos forçá-las a tal, perdem-se no absurdo. Eis um agravante: Hubble (o mesmo supracitado), ao estudar as distâncias entre as galáxias, percebeu que estas estavam se afastando. A partir daí, não foi difícil concluir que se estavam se afastando, num passado remoto já estiveram próximas, muito próximas. Assim surgiu a teoria do Big Bang, que nos diz que todo o universo, em sua gênesis, esteve completamente condensado em um único ponto, infinitamente pequeno e com densidade infinita, ponto este chamado de singularidade. Ora, isso é justamente a união do muito grande (universo) com o muito pequeno (singularidade). Exatamente a junção que nos escapa; o limiar aparentemente intransponível ao nosso corcel, diante do qual este titubeia impotente. Resta-nos, então, tomar à mão a história de sucessos de nossa montaria; verificar-lhe a incontestável perspicácia e inexorável determinação, que sempre a acompanharam; e, em posse dessa respeitosa biografia, confiar que este corcel um dia subjugará o obstáculo. É nesse instante que a ciência toma aspecto de religião, prescindindo de nossa fé - o que nos revela a equivalência entre ambas as abscissas. Novamente uma questão que envolve a solitária e auto-suficiente fé; fluido que parece permear a natureza humana.


Considerações sobre a origem

Sendo a origem o exato instante que separa a não existência da existência de todas as coisas, supõe-se ter havido algum elemento/fenômeno/entidade que, mesmo sem também existir, pôde operar o nada, convertendo-o em algo. Diante desta baboseira, concluo sugerindo uma possível correlação desta questão com a divisão de algum número real por zero (lê-se "origem").