terça-feira, 28 de janeiro de 2025



Deitou-se. Rolava-se de um lado a outro da cama. É verdade que não tinha sono mas as horas íam lá pelas duas da madrugada; horário em que trabalhadores sonham em estar acordados, no sábado; não era sábado, porém. Aquela quarta-feira se desmanchava atípica sobremaneira. De todos os seus planos, era tudo senão aquilo. Enveredara pela noite sem as rédeas com que se acostumou a dar ritmo a sua vida. Demais, se deixara levar pueril e frouxo por aquelas horas ternas e eternas ao lado dela. 

Ela era toda afagos e afabilidades. Não sabia que redarguir quando lhe dizia:

- Não vá!

Pois certo é que ficava; relutava por tal ou qual impulso que verdadeiramente era mera veleidade. Deixava-se estar. Bendita sobriedade dos trinta.

Rolava na cama. Todo Ele era um assomo de triunfo e impaciência, como lhe tivessem a adiar a entrada no pátio dos carrinhos de bate-bate, ainda que já estivessem lá todos inertes, inanimados, patéticos.

Ela voltou. Era uma menina, pensava. Queria-a muito. Queria-a muito ao pé de si que era então todo o tempo presente que o passado lhe insistia em subtrair. Mal podia retê-lo senão a grande custo. Talvez se não tivesse se deixado desvairar pela presença Dela, ataria seu cavalo à cabeceira da cama a pastar os segundos graúdos de sentimento puro que daí transbordava. 

Se tivera sono, já o não tinha mais. Se o dissimulara com esse fito tão-somente, não se sabe. Sabe-se todavia que rolavam na cama inteira. Não com estrépito, mas furtivamente, como duas crianças escondidas debaixo da cama fazendo travessuras de que só se dão conta os adultos quando atinam: há quase uma hora que esses meninos não dão um pio no quarto. Devem estar aprontando.

O ruído do ventilador era a "quase uma hora” referida. Tudo era pouco porém para seu pudor. Explica-se: seu irmão dormia no quarto ao lado! Não nos demoremos contudo. 

Não se sabe quanto, sabe-se apenas que aqueles segundos convulsos e coléricos de frêmitos, com que se roçavam e rasgavam os beiços, Ele e Ela, começaram a se agitar, adquirindo a forma de minutos tão densos e carregados que o próprio tempo não os pode reter em seu bojo para que com eles pudesse seguir seu caminho pelos séculos. O desejo lascivo e sôfrego daquele desenlace de tão prodigiosa agonia de amor contrastava com os soluços e impulsos que não se podiam reter senão pelo temor de serem ouvidos, suspeitados. Aí, então, esse atrito de contradições fez desatar das nuvens um raio! Dois, três, quatro, dez, seguidos por mais outros, que penetravam a janelinha do quartinho que compelia aquele coro de rosnados calados e expirações sufocadas pelas mãos que ora perdiam-se acima e abaixo sem talvez sequer crerem na puerilidade dessas emendas.

Decerto que não se contaram quantos trovões, raios, relâmpagos... Qual! Ora! Um ou outro que se fez notar pouco ganhou a atenção Dele ou Dela.                 

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