sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Encontro das Águas


A mão de Carla executou um balanço frouxo, que em nada combinou com o sorriso terno transmitido ao namorado, quando se despediram no shopping. Atribuamos, amigos, a frouxeza ao peso da rotina que é a vida de um jovem casal, que já soma uns oito meses juntos, e à certeza do reencontro breve que esta rotina proporciona-lhos. Neste caso, a brevidade duraria até o final da tarde, quando Carla pretendia passar no cursinho que Rodrigo freqüentava, para dali voltarem juntos para casa. Do cursinho ao condomínio era uma caminhada curta e entretida.

Seguiu então, a garota, do shopping para a casa de Elô, onde haviam programado passar a tarde, estudando e conversando os assuntos que não couberam na pauta daquele dia, no intervalo do colégio. Coisas de meninas. De mulheres.

Chegando ao seu destino, já no play do Morada Verde, Carla agoniou-se ao se dar conta de que teria que mudar os planos: havia um elemento inesperado – pelo menos para ela – que inviabilizaria qualquer conversa mais íntima que pretendesse ter com a amiga e confidente. O elemento, que atendia por Matheus, primo de Elô, desculpou-se pela ausência de convite, advertindo que passava coincidentemente por aquelas bandas. Assim sendo, mudaram-se os planos.

Deu-se um processo lento até os três adolescentes conseguirem emplacar algum assunto menos burocrático no casual diálogo vespertino que os fora imposto. Saltemos, amigos, essa lentidão, com o pecado da descontinuidade e da vertigem, mas restituídos pela concisão e clareza. Digo clareza porque, com este salto abrupto, as saliências do contraste que se dá entre os diferentes estados da condição humana saltarão aos nossos olhos. Vamos à frente; à Carla de algumas horas e papos depois.

A mesma Carla cismada e agoniada da véspera, agora já não cabia em si de empolgações e receios pelas investidas voluptuosas do simpático rapaz, que parecia abster-se da inconveniência representada pelo compromisso da menina. Matheus tinha as manhas. A cada cantada que entrelinhava meticulosamente em suas palavras, e que eram amplificadas pela prima – pois sabemos, amigos, que é comum das primas ajudarem os primos a seduzirem suas desejadas amigas –, provocava em Carla um desejo tremendo pelo perigo; pelo proibido. Toda ela era uma intercalação de conjecturas acerca da traição, e lamentações agudas pelo compromisso que estava fadada a honrar, bem como uma autoflagelação mental a que se submetia, como espécie de castigo por se permitir pensamentos tão incestos. Carla estava um vulcão de idéias e ponderações. Mas o fato é que se permitia; se imaginava; mais que isso, desejava loucamente o primo da amiga. Tentou exaustivamente encontrar em si alguma cláusula, algum artigo do seu código pessoal – ou quem sabe dar-los uma nova interpretação – que lhe permitisse se jogar na aventura de cabeça, sem que a mesma viesse a sofrer mais tarde com a gravidade, por um inchaço de consciência. Não encontrou tal alento – deveras sentia asco pelo direito, por não saber lidar com suas maleabilidades – de modo que deu a si mesma o veredicto: não trairia; não convinha trair. Fez-se marquise de concreto, austera e resistente, até as cinco e meia. Ao cabo, despediu-se da amiga e do primo (a este, dedicou uma gota de melancolia no olhar), e foi-se, para dali encontrar com Rodrigo, como estava acordado.

Já entrando no cursinho, onde estava familiarizada devido à freqüência com que vinha ter com o namorado, Carla passou distraída pelos colegas de Rodrigo, que já estavam de saída. Parou à porta da sala dele, e assim permaneceu por um longo instante, a observá-lo. Rodrigo estava às sós com uma de suas colegas; justamente a que Carla detestava, por causar-lhe ciúmes. Como os observados falavam baixinho, quase a sussurrar, Carla não pôde ouvir que conversavam a respeito de uma aposta; uma que fizeram durante a aula e que garantiria como prêmio, para aquele que solucionasse corretamente o desafio de matemática, a satisfação de um desejo qualquer. Concluiste corretamente, leitor, se imaginaste que Rodrigo perdera a aposta. Sua colega estava a cobrar-lo; a requisitar-lhe um beijo como paga (o que esclarece-nos os fundamentos dos ciúmes de Carla). Rodrigo não hesitou; beijou-a brevemente, como quem aperta a mão após fechar um negócio. Virou-se no rumo da saída e deu de cara com a namorada, que o aguardava à porta. Fitaram-se um ao outro, atônitos, como um encontro de rios concorrentes; um dos olhares derramava serenidade e ternura, o outro, lamento e decepção.

6 comentários:

Anônimo disse...

auwehuaheuaheuaheuaauwehuahe

chifruda!!!!!!
nao esperava q vc fosse escrever uma historia tao banal....
vc se baseou em q pra escrever esse """conto"""?

Marcelo Mendonça disse...

AS conversas sobre traição lá no quiosque e mais outras idéias. Não foi nenhum caso verídico não...

Jorge (Marraus) disse...

Sou suspeito para falar, mas mesmo assim congratulo-o pelo texto, Brumadense.

Anônimo disse...

Sem querer puxar saco do anão, já que nada teria a ganhar com isso, mas foi o melhor texto que li no blog (não chore, Marraus, não chore...).
Soube usar as palavras sem irritar pobres leitores que não possuem um vocabulário tão variado (sim Marraus, isso foi uma indireta) e mandou bem ao não explicitar nenhum tema específico.

Um texto com uma história simples e empolgante (fiquei esperando mais alguns parágrafos quando cheguei na última linha)com uma interessante abordagem do universo machista, do homem que está "apenas seguindo seus instintos primários".

Enfim, se vc escrevesse mais textos como esse, daria pra formar um livro de Contos muito melhor do que vários que já li.

Gabriel Peixoto disse...

ta massa...

deveria ter mais depois do final..

mas ta massa a historia...

Unknown disse...

como ja comentado acima, seu texto realmente é de uma qualidade ímpar. Confesso q comecei a lê-lo com uma ponta de cepticismo, mas ao final senti-me satisfeito por ter me surpreendido. Um conto digno de uma publicação em massa. parabens...