
Agora há pouco, assistindo a uma conversa sobre a insegurança no Brasil, no Altas Horas, quietei a matutar aqui comigo, não sobre a questão da segurança – que é caótica, sabemos - mas sobre a forma como vejo, ou melhor, como sinto a “textura” do meu país. Imediatamente lembrei do divertidíssimo Google Earth; de como a gente começa vendo a imponente esfera azul, e mexendo no botãozinho [muito útil] de rolagem do mouse, vai mergulhando nos continentes, países, cidades, nossa própria casa (possivelmente até na casinha do cachorro). E vão aparecendo alguns nomes, contornos, fronteiras... Enfim, fui vendo as coisas desse jeito e aumentando o zoom. No Brasil, de cara vi uma gigantesca linha isolando o norte-nordeste do restante; algumas subdivisões, mas não reparei muito: mirei no meu estado – Bahia – e toquei para as cidades. Olhando aqui para Salvador, lá do alto, percebi uma outra linha. Dessa vez nascendo ali na Barra, correndo pela Graça, Vitória, contornando Ondina, abraçando a Pituba, sempre assim: ora beirando o mar, ora avançando continente adentro para abocanhar alguns condomínios, shoppings, hotéis, etc. Intrigou-me a idéia de eu não conseguir de forma alguma mesclar os lados apartados pela linha, tampouco assimilar as vidas dos indivíduos de um dos lados com as vidas dos indivíduos de outro. Era mentalmente impossível embaralhá-los, como se houvesse uma força incrível de repulsão divorciando-os. De fato, eles não queriam se misturar: o velho advogado, bem-sucedido, pai de três rapazotes, de modo algum queria ver o seu caçula indo curtir uma praia com os flanelinhas que ficavam ali na sinaleira da esquina, ainda que estes não lhe representassem ameaça alguma – pelo contrário: eram simpáticos, esforçados, e ainda faziam alguns favores quando solicitados, às vezes até pelo próprio advogado. Muito menos o pessoal do São Gonçalo enxergava com bons olhos a sossegada família que mandou construir a única mansão da rua, tão altiva frente às suas casotas humildes, de onde emergiam com seus carrões do ano a cada abrir e fechar do portão eletrônico, pairando assim no ar uma mesquinhez aguda.
Não que se odiassem – não era isso -, até queriam bem uns aos outros; o bem comum. Porém, não estavam dispostos a conviver, a conversar sobre suas rotinas [tão diferentes!], a ver seus filhos brincando juntos na areia enquanto tomavam uma refrescante cervejinha na praia, a se convidarem para as festinhas de aniversário em suas residências, a esquecer ainda que por alguns minutos o que os separava e focar no inverso. Não era esse o caso. Queriam apenas ser deixados em paz pelos vizinhos do outro lado da linha, em troca de deixá-los também em paz, desejando-lhes paz com um olhar piedoso, ou suplicando com um olhar aflito, a depender de suas circunstâncias - confusão de olhares essa que poderia dar lugar a um olhar intrépido de respeito.
Formavam, assim, um mosaico, muito interessante (mas quando visto do alto).
Tratei de tirar o zoom.
Não que se odiassem – não era isso -, até queriam bem uns aos outros; o bem comum. Porém, não estavam dispostos a conviver, a conversar sobre suas rotinas [tão diferentes!], a ver seus filhos brincando juntos na areia enquanto tomavam uma refrescante cervejinha na praia, a se convidarem para as festinhas de aniversário em suas residências, a esquecer ainda que por alguns minutos o que os separava e focar no inverso. Não era esse o caso. Queriam apenas ser deixados em paz pelos vizinhos do outro lado da linha, em troca de deixá-los também em paz, desejando-lhes paz com um olhar piedoso, ou suplicando com um olhar aflito, a depender de suas circunstâncias - confusão de olhares essa que poderia dar lugar a um olhar intrépido de respeito.
Formavam, assim, um mosaico, muito interessante (mas quando visto do alto).
Tratei de tirar o zoom.
2 comentários:
Porra, já tem um tempão que escrevi isso! rsrsrs
(comentário só pra sair dos zero)
Fez na intenção de daco
Postar um comentário